O impacto do divórcio nos filhos
Porque crescer em duas casas é tão difícil, e o que podemos (progenitores e educadores) fazer para os ajudar.
Artigo de Jenny Perkel (1) para Psychology Today
PONTOS CHAVE
:: O conflito contínuo entre pais depois de se separarem é profundamente perturbador para as crianças.
:: As crianças estão muito melhor em manter um contacto regular e contínuo com ambos os pais, excepto em circunstâncias extremas.
:: Os pais divorciados devem procurar exercer a co-parentalidade juntos, de uma forma construtiva, cooperativa e respeitosa.
Quase metade dos casais casados nos Estados Unidos acabam por se divorciar, de acordo com algumas estimativas [n.t. conforme Portada: 9 divórcios em 10 casamentos em Portugal]. Porque ocorre tão frequentemente, é fácil esquecer quão difícil e traumático o divórcio pode ser para os filhos. Pesquisas publicadas pela socióloga Lisa Strohschein mostraram que, mesmo antes da separação conjugal, os filhos cujos pais mais tarde se divorciam apresentam níveis mais elevados de ansiedade, depressão e comportamento anti-social do que os filhos cujos pais permanecem casados. Há um aumento adicional de ansiedade e depressão nos filhos quando os pais se divorciam. A psicóloga americana Sharlene Wolchik e os seus colegas, concluíram que o divórcio contribui para o aumento de riscos significativos para as crianças e adolescentes, incluindo o abuso de substâncias e vícios, problemas de saúde mental e física, e baixos resultados educacionais.
Perda Traumática do/no Divórcio
Nem sempre há apoio suficiente ou mesmo reconhecimento do que pode ser um divórcio por perda traumática para casais e para os seus filhos. Sejam quais forem as razões da separação, há geralmente sentimentos de pesar, tristeza, raiva, traição, culpa, e vergonha. A ruptura conjugal pode deixar ambos os pais devastados, e o stress pode contribuir para sentimentos (primitivos e poderosos) de abandono, isolamento, e medo, levando a estados de ansiedade ou de depressão.
Não é fácil dar aos filhos o que eles precisam quando se é altamente vulnerável e emocionalmente frágil. Na prática e logisticamente, as coisas podem ser mais difíceis para si e para os seus filhos, quando um casamento se desfaz. O divórcio traz muitas vezes tensão financeira e dificuldades sociais. As crianças podem acreditar que elas próprias são a causa do divórcio dos seus pais. A culpa e a vergonha podem fazê-los sentir-se inúteis, ansiosos, e deprimidos. Cada aspeto da sua vida - preocupação quanto à habitação, regulação do exercício das responsabilidades parentais, decisões ligadas à escolaridade e férias dos filhos, etc - pode estar repleta de conflitos se os pais não forem capazes de cooperar como uma equipa.
Pode não gostar ou confiar no(a) seu ex companheiro(a), especialmente no início do processo de separação e divórcio. Pode também sentir-se profundamente perturbado e magoado por estar separado dos seus filhos enquanto eles estão aos cuidados do(a) outro(a) progenitor(a) - que possivelmente é a pessoa que menos o(a) agrade conviver nessa fase da vida. Pode haver preocupações realistas - por vezes relacionadas com o uso de drogas ou álcool - sobre a segurança das crianças ao cuidado do(a) seu/sua ex. Alguns pais preocupam-se mesmo com diferentes tipos de abuso quando os seus filhos estão com o(a) outro(a) progenitor(a). Mas, na sua maioria, as crianças têm de encontrar um lugar seguro para si próprias nos dois lares que se encontram separados. É essencial que elas sejam apoiadas a sentir-se confortáveis em cada uma das casas. Por vezes até pode ser um alívio, após o divórcio, que as crianças se encontrem num ambiente onde haja paz e ausência de tensão.
Os pais em guerra
Quando a mãe e o pai se encontram em campos inimigos, a criança tem de tentar descobrir quem tem razão e quem está errado, quem é "bom" e quem é "mau". Se uma mãe acredita, por exemplo, que o seu ex companheiro é perigoso ou mau, a criança pode sentir-se insegura e desconfiada do seu pai. A criança pode rejeitar o pai para se manter a si e à sua mãe psicologicamente seguras. Pode ser difícil para uma criança amar e confiar num pai que é odiado pelo mãe.
Kate Scharff, autora de "Divorce and Parenting Wars" [Divórcio e Guerra dos Pais], escreve que o sistema judicial contribuem em grande medida para uma tensão que prejudica todo o processo de divórcio e contribui para um ambiente por vezes tóxico. A menos que as circunstâncias sejam graves que não seja possível evitar, Scharff sugere que os pais não entrem numa batalha de ganhar ou perder, pois no caso de divórcio, todos ficam a perder, sobretudo as crianças que são sempre vítimas neste conflito. Podem sentir-se destroçadas quando os seus pais não conseguem gerir uma dissolução civil, amigável e respeitosa da sua união. O psicólogo canadiano Arthur Leonoff explica no seu livro "The Good Divorce" [O Bom Divórcio], porque é que o divórcio é tão difícil para as crianças e o que os pais e os seus terapeutas podem fazer para as ajudar. Preservar a preciosa imagem mental da criança com os seus dois pais biológicos é vital, segundo Leonoff, porque esta imagem mental constitui a base da identidade da criança.
Uma mensagem importante para os pais após a ruptura conjugal, é tentar preservar tanto quanto possível, a relação contínua com o(a) ex companheiro(a), pois para o bem e para o mal, será sempre o progenitor dos seus filhos. "Para o bem estar integral (físico, emocional, psicológico, social e espiritual) dos filhos, é importante procurar ser uma equipa parental construtiva, cooperativa e respeitosa."
(1) Jenny Perkel é psicóloga clínica na Cidade do Cabo, África do Sul, e autora de Children in Mind e Babies in Mind
Tradução: Susana Silva, Mediadora Familiar SMF/DGPJ, Mediadora Escolar e Comunitária, Cientista Social, Master em Logoterapia e Análise Existencial e Formadora.
Referências bibliográficas:
Lisa Strohschein, "Parental Divorce and Child Mental Health Trajectories", Journal of Marriage and Family 67, no. 5 (2005): 1286-1300, https://doi.org/10.1111/j.1741-3737.2005.00217.x.
Sharlene A. Wolchik, et al., "Developmental Cascade Models of a Parenting-Focused Program for Divorced Families on Mental Health Problems and Substance Use in Emerging Adulthood", Developmental Psychopathology 28, no. 3 (agosto 2016): 869-888, https://doi.org/10.1017/S0954579416000365.
Scharff, Kate. "Divorce and Parenting Wars". In Psychoanalytic Couple Psychotherapy: Foundations of Theory and Practice, edited by David E. Scharff and Jill Savege Scharff, 279-294. London: Karnac, 2014.
Arthur Leonoff, "The Good Divorce: A Psychoanalyst's Exploration of Separation, Divorce, and Childcare" (London: Routledge, 2018), 71-199.